Como bem notou o professor Marco Aurélio Greco em palestra na FGV Direito SP, o Direito Tributário brasileiro tem sofrido progressiva defasagem em relação à tecnologia e precisa de novos paradigmas para fazer frente à economia digital. Conceitos como fronteira, estabelecimento e residência vêm sendo erodidos pela digitalização (ou desmaterialização, no dizer do celebrado professor) e precisam, talvez, ser substituídos por outros.
A Suprema Corte dos E.U.A. tem historicamente usado o conceito de disponibilidade proposital (purposeful availment) para reconhecer a jurisdição de um estado para processar e julgar o fornecedor de um bem ou serviço por danos que esse bem ou serviço causara a um residente daquele estado, ainda que o fornecedor jamais tenha ali colocado os pés ou pendurado uma placa[1]. Em South Dakota v. Wayfair Inc., 138 S. Ct. 2080 (2018), a Suprema Corte usou pela primeira vez o conceito de disponibilidade proposital para permitir ao estado de destino tributar vendas remotas realizadas por um contribuinte situado em outro estado.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo dos 20 (G20) têm utilizado o conceito de mercado para criar um consenso internacional que permita aos países detentores do mercado consumidor tributar a parte da renda global dos gigantes digitais atribuível a seus respectivos mercados. É o chamado Montante A do Pilar 1 (Amount A of Pillar One) do plano de ação da OCDE e do G20. Porque os Estados Unidos têm se mostrado refratários a esse novo consenso internacional, vários países, dentre eles o Brasil, passaram a investir em tentativas unilaterais de tributar a venda remota de serviços e bens digitais com base no conceito de mercado, criando os chamados Digital Service Taxes, ou DSTs[2].
No Brasil, existem quatro projetos de lei que buscam criar um Digital Services Tax: o Projeto de Lei (PL) 2358/2020, que cria a CIDE Digital, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 131/2020, que cria um regime diferenciado de COFINS para pessoas jurídicas de elevada receita que utilizam plataformas digitais, o PLP 218/2020, que cria a Contribuição Social sobre Serviços Digitais, e o PLP 241/2020, que cria a Contribuição Social Especial Sobre Serviços Digitais. Todos esses projetos têm em comum (a) a desnecessidade do contribuinte estar estabelecido fisicamente no Brasil, (b) o tributo alcançar apenas contribuintes com receita bruta acima de certo limite, (c) a receita tributável decorrer de alguma interação digital com o consumidor brasileiro e (d) o exemplo da OCDE e do G20. A tabela abaixo sintetiza as principais características de cada DST proposto:
Atualmente, se uma empresa no exterior vende serviços para uma pessoa jurídica no Brasil, a pessoa jurídica brasileira (importadora dos serviços) paga, sobre a remessa do numerário à empresa estrangeira, ISS (2% a 5%), CIDE (10%), IRRF (15%), PIS (1,65%) e COFINS (7,6%). Se essa empresa estrangeira vende os serviços a uma pessoa física no Brasil, a pessoa física no Brasil (importadora dos serviços) paga IOF (6,38%) sobre a remessa. Ou seja, o Brasil já tributa, na pessoa do importador brasileiro, a exploração econômica remota do nosso mercado pelo estrangeiro. Fá-lo, porém, com base nos conceitos de que hoje dispõe o nosso direito tributário.
De sua vez, os projetos de lei que instituem o DST são os primeiros que buscam tributar diretamente a empresa estrangeira, arrogando ao Brasil a competência de tributar o estrangeiro por ser brasileiro o mercado que ele explora. A mudança de paradigma (de tributar o consumidor brasileiro com base no conceito de importação de serviços para tributar o vendedor estrangeiro com base no conceito de exploração do mercado) é inovadora e vital para transportar o direito tributário brasileiro aos novos tempos.
Não estou com isso dizendo que um DST, se aprovado nos moldes acima, seria constitucional[3]. Nossa Constituição Federal, com sua rígida repartição de competências tributárias e seu sistema de tributação com base em incidências claras, não dá margem a grandes inovações no plano infraconstitucional. Seria necessária uma reforma constitucional tributária, aliás diferente das propostas de emenda constitucional (PECs) que, sobre o tema, tramitam atualmente (Propostas de Emenda Constitucional 45, 110 e 128/2019). Focadas em unificar incidências para simplificar o atual sistema, as PECs correntes, salvo pequenos apontamentos[4], não trazem novos conceitos ou paradigmas para fazer frente ao mundo digital.
Essa reforma não precisaria ser grande. A Carta atual possui elementos que podem servir de base a novos conceitos e paradigmas tributários. Um deles é o artigo 219, que estabelece que o mercado interno integra o patrimônio nacional (pista dada pelo mesmo Marco Aurélio Greco, na palestra já mencionada). Embora talvez criado com um viés cultural e tecnológico, o artigo traz uma meta de desenvolvimento sócio-econômico onde novos paradigmas tributários poderiam se alicerçar, aliás de forma alinhada ao que a OCDE e o G20 estão costurando.
Enquanto uma reforma tributária nas bases aqui propostas não é sequer cogitada, o Legislativo e mesmo o Executivo (às vezes federal, às vezes estadual, às vezes municipal) emitem vez ou outra regras que buscam expandir ou adaptar o poder tributante para alcançar novas riquezas e o Judiciário é chamado a conferir se tais regras se conformam aos rígidos moldes constitucionais atuais. E por vezes o Judiciário elastece o molde constitucional para fazer caber a novidade tributária[5].
Assim, para haver um DST brasileiro nos molde acima discutidos e imune a vícios jurídicos, seria necessária uma faxina e um rearranjo de nossos conceitos e paradigmas tributários, mediante uma reforma constitucional ou através de sua reinterpretação judicial.
[1] Vide, por exemplo, Asahi Metal Indus. Co. v. Superior Court of Cal., 480 U.S. 102, 107 S. Ct. 1026; J. McIntyre Mach., Ltd. v. Nicastro, 564 U.S. 873, 131 S. Ct. 2780. [2] Sobre a inconsistência do posicionamento dos E.U.A. e sobre a influência que a reforma tributária americana de 2017 (o chamado Tax Cuts and Jobs Act, ou TCJA) exerceu sobre a mudança de paradigma atualmente debatida na OCDE e no G20, vide meu artigo The TCJA’s Unilateral Provocation of DSTs, escrito em coautoria com Benjamin Willis e publicado nas revistas Tax Notes Federal e Tax Notes International, disponível em https://www.taxnotes.com/tax-notes-international/digital-economy/tcjas-unilateral-provocation-dsts/2021/01/25/2l6zt. [3] Maurício Barros, em Digital Services Tax à Brasileira, 13/07/2020, disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/politicas-tributarias/digital-services-tax-a-brasileira-10072020, acesso em 23/03/2021, bem elenca diversos problemas jurídicos, muitos deles de ordem constitucional, que a Cide Digital, DST previsto no PL 2358/2020, enfrentará se vier a ser aprovado. [4] Como a ampliação da base de incidência do ISS (PEC 110) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, substituto do ISS, do ICMS, do IPI, do PIS e da COFINS nas PECs 45 e 128) para abarcar intangíveis. [5] Tome como exemplos o julgamento da ADI 5659, onde o Supremo Tribunal Federal (STF), revendo posicionamento vintenário, decidiu caber ISS (e não ICMS) sobre a licença ou cessão do direito de uso de programas de computador; e o julgamento do RE 784439, onde o STF, apesar de reafirmar a taxatividade da lista de serviços, admitiu que atividades análogas, embora não estejam expressamente previstas na lista e possam nem se amoldar ao conceito de serviço à luz do direito privado, sejam alcançadas pelo ISS.
Autores
José Rubens Scharlack
Sócio-fundador
Advogado licenciado em São Paulo (graduação pela USP), com MBA pela Fundação Armando Alvares Penteado e University of New Mexico Anderson School of Management, e advogado nos Estados Unidos (licenciado na Flórida) com J.D. cum laude e LL.M. em Tributário, ambos pela University of Miami School of Law (UM).
Larissa Dicmann
Estagiária da área Tributária do escritório
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